O mistério do pedófilo que alugou a Disneylândia e simulou um casamento com uma criança de 9 anos
O 'casamento falso' pode ter custado mais de R$ 800 mil, e foi organizado por Jacky Jhaj, um criminoso sexual condenado e procurado no Reino Unido. Jacky Jhaj e...

O 'casamento falso' pode ter custado mais de R$ 800 mil, e foi organizado por Jacky Jhaj, um criminoso sexual condenado e procurado no Reino Unido. Jacky Jhaj está no Registro de Criminosos Sexuais e sujeito a restrições em suas atividades. Metropolitan Police via BBC A notícia de que um pedófilo condenado organizou um casamento falso com uma criança de nove anos na Disneylândia Paris, na semana passada, deixou muita gente perplexa. Como isso era possível? Quem poderia fazer uma coisa dessas? Uma apuração da BBC mostra que esse é somente o mais recente de uma série de golpes publicitários bizarros de Jacky Jhaj —um britânico a quem eu já investigava havia dois anos. Jhaj foi preso após a polícia ser chamada ao parque de diversões por funcionários, que foram alertados por um "convidado" que disse ter sido contratado pelo homem para interpretar o pai da noiva. O homem disse ter recebido 12 mil euros (R$ 77 mil) para interpretar o papel e que só percebeu no último minuto que a "noiva" era uma criança, de acordo com uma declaração do promotor de Meaux, Jean-Baptiste Bladier. O comunicado também afirma que a jovem ucraniana de 9 anos —que chegou à França dois dias antes— não foi vítima de violência física ou sexual e não foi "forçada a desempenhar o papel" de noiva. Cerca de 100 figurantes franceses foram recrutados para participar da cerimônia falsa, que seria filmada em caráter privado. A Disneylândia Paris pode ser alugada por pessoas fora do horário de funcionamento. As conclusões preliminares também indicaram que ele teria sido "maquiado profissionalmente para que seu rosto parecesse totalmente diferente do seu", segundo o promotor. Três outras pessoas —incluindo a mãe da menina, de 41 anos, uma letã de 24 anos que interpretaria a irmã da noiva e um letão de 55 anos— também foram detidas, mas liberadas em seguida. A BFMTV informou que o "casamento simulado" pode ter custado ao organizador mais de 130 mil euros (R$ 836 mil). Não está claro, neste momento, qual foi o objetivo da "façanha". Tapete vermelho Jhaj chamou minha atenção pela primeira vez após uma denúncia de uma adolescente, que surgiu do nada em 2023. Ela ficou horrorizada por perceber que havia sido contrata por um pedófilo para bajulá-lo. Ela estava com muito medo dele para se declarar publicamente —mas localizei vários aspirantes a atores que também foram instruídos a gritar com Jhaj enquanto ele desfilava por um tapete vermelho e a tentar tocá-lo, como se fosse uma celebridade. No total, 200 crianças e jovens foram recrutadas por agências de elenco renomadas para interpretar fãs de Jhaj em uma estreia cinematográfica falsa na Leicester Square, em Londres, naquele ano. Algumas tinham apenas seis anos. Perto do fim do evento, alguém reconheceu Jhaj —que já havia sido considerado culpado de atividade sexual com duas jovens de 15 anos em 2016 e enviado para a prisão. O tapete vermelho falso foi uma das inúmeras acrobacias que ele organizou desde sua libertação, que frequentemente envolvem escalar meninas para o papel de suas fãs. Tudo foi organizado com altos custos, enquanto ele estava no Registro de Criminosos Sexuais e sujeito a restrições em suas atividades. Para o casamento simulado na Disneylândia Paris, uma menina ucraniana de nove anos foi levada de avião para interpretar sua noiva. A BBC apurou que Jacky Jhaj, natural do oeste de Londres, foi indiciado pelas autoridades francesas por envolvimento na organização do evento. Nos últimos dois anos, tenho me dedicado a tentar entender como ele conseguiu realizar essas acrobacias e por que não existem regras mais rigorosas que as impeçam. Muitas aconteceram em pontos turísticos britânicos de alto nível — incluindo o Museu Britânico, o Royal Exchange em Londres e a Universidade de Oxford. Elas também costumam envolver jovens contratados para atuar como seus fãs em produções elaboradas. Jhaj foi filmado por um pai que o reconheceu da investigação da BBC conversando com jovens do lado de fora das audições de dança em 2024. Arquivo de uma das famílias via BBC Vídeos de algumas delas foram publicadas em um canal do YouTube que foi assistido mais de seis milhões de vezes e tinha 12 milhões de inscritos. Muitos permaneceram no YouTube por anos, até setembro passado, quando a BBC alertou o Google, proprietário da plataforma. Um vídeo em um canal separado o mostrava ao lado de uma das vítimas com quem foi condenado por relações sexuais —com o rosto dela anonimizado. O vídeo permaneceu no YouTube por quatro anos, com mais de um milhão de visualizações. Na época, o Google disse à BBC que leva a segurança dos usuários a sério, mas não explicou como uma conta com um homem quase sem perfil ou sucesso tinha 12 milhões de inscritos, ou por que os vídeos não haviam sido removidos anteriormente. Clipes em sites de mídia social parecem retratar Jhaj como um escritor e cantor de sucesso e frequentemente são apresentados como videoclipes. Não está claro se as armas que Jacky Jhaj segura nos videoclipes são reais ou falsas. Reprodução/redes sociais via BBC Muitas são bastante preocupantes — algumas o mostram posando com crianças pequenas e armas. Não está claro se as armas são reais ou falsas. Outras se deleitam com sua infâmia. Em uma delas, ele é recebido por fãs que aparentemente comemoram sua libertação da prisão de Wormwood Scrubs, em Londres. Eu queria saber como ele havia organizado as cenas de ação — e se havia recebido ajuda. O que mais nós sabemos? Nos últimos dois anos, conversei com cinegrafistas, assistentes de produção e técnicos que foram contratados para alguns dos eventos antes de descobrirem a verdadeira identidade de Jhaj. Um homem aparece repetidamente nos vídeos que compartilharam comigo. Recebemos imagens e vídeos deste homem que aparece em três das atuações. Elas foram enviadas por pessoas que o descreveram como alguém que estava auxiliando um coreógrafo contratado para audições de dança e, aparentemente, filmando. Quando confrontado pelos membros do elenco, o homem disse que Jhaj era um amigo. Imagem cedida via BBC Em outro evento no ano passado, o suposto auxiliar do coreógrafo foi confrontado por membros do elenco enganados que reconheceram Jhaj de nossas reportagens e mostraram a ele a matéria publicada. Os membros do elenco o filmaram reconhecendo que Jhaj é um criminoso sexual condenado, mas ele disse que é seu "amigo" e agora está "livre". Nesse evento, Jhaj foi filmado posando nu em frente a um caminhão falso da BBC News em Londres, que havia sido incendiado. Jhaj apareceu inicialmente disfarçado com próteses — antes de removê-las e ser identificado como o homem da nossa reportagem. Jhaj usa adereços, elencos e contrata locais para suas elaboradas peripécias. Imagem cedida via BBC Como Jhaj financia suas peripécias — que envolvem custos extraordinários com aluguel de local, elenco e adereços — é um mistério. Uma produção contratou um tanque, enquanto em outra, um carro de polícia falso foi incendiado. Também me disseram que alugar o espaço do tapete vermelho que abriga as estreias de filmes na Leicester Square teria exigido dezenas de milhares de libras, assim como o aluguel da Disneylândia Paris. Jhaj foi listado como diretor de uma empresa que foi liquidada em 2016 — mas não há outra fonte óbvia de dinheiro. Eu também queria saber como ele conseguiu realizar esses eventos estando sujeito a uma ordem de prevenção por agressões sexuais. Vimos uma cópia da ordem judicial. O documento lista dez restrições às suas atividades — mas não parece proibir explicitamente as façanhas que ele organizou. A ordem proíbe Jhaj de contatar suas vítimas anteriores, de entrar em locais públicos para uso de crianças e de contatar deliberadamente qualquer garota menor de 16 anos. No entanto, não há proibição geral de realizar eventos com crianças menores de 16 anos, desde que supervisionadas — como foi o caso da ação na Leicester Square, onde alguns adultos participaram como acompanhantes. Um policial para 50 infratores Após a investigação da BBC, Jhaj foi filmado nu em frente a um caminhão falso da BBC News que foi incendiado. Reprodução/redes sociais via BBC Eu também queria saber quem, se alguém, era responsável por monitorar pedófilos condenados. Após meu primeiro relato, um policial que ajudava a monitorar Jhaj me ligou pedindo informações sobre seus movimentos. Ele disse que era responsável por gerenciar o paradeiro de dezenas de infratores — e que era um trabalho desafiador. O Conselho Nacional de Chefes de Polícia recomenda que o nível mínimo de segurança para monitorar pedófilos seja de um policial para cada 50 infratores. A proporção média de gerenciamento de infratores na Polícia Metropolitana de Londres era de um policial para 40 infratores — bem dentro do padrão. Perguntei a outras forças policiais quais eram suas proporções e algumas nunca responderam. Mas dez das 26 forças policiais não atingiram esse padrão, de acordo com solicitações feitas via lei de acesso à informação recebidas no ano passado. Em uma força policial de outra localidade, os policiais eram responsáveis por monitorar 85 infratores cada, em média. Algumas forças policiais defenderam seus recursos — argumentando que esses níveis são apenas consultivos e também dependem de avaliações de risco dos infratores. Mas lidar com 50 agressores sexuais com sucesso é "impossível", de acordo com Jonathan Taylor, especialista em proteção e ex-investigador de abuso infantil. "Sinto muito pelos policiais", diz ele. "É um cálice envenenado — um dos pedófilos vai reincidir. Este caso também destaca preocupações sobre a falta de proteção em empresas de entretenimento e tecnologia que permitem esse tipo de agressor." A BBC apurou que ele compareceu perante um juiz em Meaux, a nordeste de Paris, e foi acusado de fraude, abuso de confiança, lavagem de dinheiro e roubo de identidade, sendo colocado em prisão preventiva. O promotor local afirma que a Disneylândia Paris foi "enganada" e que o organizador usou uma identidade letã falsa para alugar o local. A BBC entrou em contato com a Disneylândia Paris para obter comentários, mas não obteve resposta. A Polícia Metropolitana informou que um homem de 39 anos é procurado por violar as restrições impostas às suas atividades e também está sendo investigado separadamente por "quaisquer possíveis" crimes de fraude. Com reportagem de Alex Dackevych e Richard Irvine-Brown.